Fotos da Middle Sea Race por Carlo Borlenghi
Acabamos por não ir a nem a Semana de Vela de Angra dos Reis nem a Búzios Sailing Week. As velas ficaram muito ruins com a pauleira lá no sul e a falta de patrocínio tem dificultado as viagens. Corremos a 1a Etapa da Copa Mitsubishi Campeonato de Ilhabela de vela de Oceano. Velejamos relativamente mal, a execeção da ultima regata, que só para mostrar que, quando a gente não atrapalha, o barco anda, ficamos em segundo lugar a 11 segundos do Touche, ganhador absoluto da Etapa. Terminamos em quarto lugar atrás do Touche, Loyal e Land Rover. Como eu não me animei de escrever o relato dessa regata, estou publicando este texto sobre a natureza do ato de velejar e o efeito que ele tem sobre nós velejadores.
As fotos mostram bem as circunstâncias incontroláveis da velejada. Quase no mesmo lugar, ao norte da Sicilia, na Middle Sea Race de 2007 temos total calmaria e na de 2008, vento e mar durissimo. Esses dois extremos põe a prova a capacidade de adaptação e de "entrega" dos velejadores.
Atitude de velejador:
Tecnicamente, velejar é propiciar o deslocamento de duas asas, em equilíbrio dinâmico, na fronteira agitada de dois fluidos de densidade diferente e com fluxo variável e incerto. Sendo a regulagem dessas asas, para se adaptar ao fluxo, feita através da aplicação da força humana.
È surpreendente, porém, como esse conceito frio que define o esporte da vela, do ponto de vista da física, está longe da nossa experiência de velejar. Os tais fluidos são forças da natureza com profundo significado, tanto prático quanto simbólico, na nossa existência - a água e o ar. Dois terços do planeta é água e ela não é o nosso elemento (nela nos afogamos), pois somos seres da terra firme. O ar está por toda parte, inclusive em nossos pulmões. O mar, em principio, nos separa, mas, através de um enorme esforço adaptativo, nossa espécie desenvolveu formas de fazer com que esse elemento, que não é o nosso, nos una, através da navegação. O mar é a nossa primeira experiência assustadora de suspensão de limites (a outra, depois que conseguimos nos adaptar também ao ar, através do voo, é o ar e o espaço). Os seus movimentos, as ondas e os ventos, estão no nosso inconsciente coletivo, associados, tanto prazeirosa, quanto assustadoramente, aos episódios dessa grande aventura adaptativa da espécie humana. Tormentas, calmarias, travessias, avistamentos de terra são parte do nosso imaginário e das tradições náuticas de Camões a Amir Klink.
Além disso, do ponto de vista humano, o velejar vem muito antes pela experiência sensorial e pela imitação, do que pela ciência. Você começa por pegar um barquinho e, a partir de instruções simples, sentir como ele se comporta em diversas situações. Você associa sensações a ações corretivas. Você veleja com outros mais experientes e imita seus movimentos, compara resultados e associa novamente sensações a ações e resultados, em um continuo processo de realimentação. Só muito mais tarde, muitas vezes nunca, entram no processo os conceitos da mecânica dos fluidos, do equilíbrio dinâmico e do braço de alavanca.
Por outro lado, a tecnologia simples e direta usada para aplicar a força humana a regulagem das velas é muito cedo fonte de fascinação para o velejador, quase um fetichismo. Desde o primeiro barquinho a eficiência do funcionamento dos cabos, nós, manilhas, gatos, trilhos, roldanas, mordedores, dos sistemas multiplicadores de moitões, reduções, alavancas, catracas, engrenagens e seja lá o que mais, são sagrados para o velejador. As velas precisam ser trimadas com rapidez eficiência e de posições às vezes difíceis. As variações de lay out do equipamento de controle das velas denotam a personalidade do velejador e a diversidade da sua experiência. A tradição de auto-suficiência, herdadas desde tempos imemoriais, levam à simplicidade de soluções e ao culto a caixa de ferramentas. Aquele que na emergência não é capaz de solucionar, ele mesmo, os seus problemas é um velejador de segunda classe.
O efeito da experiência de velejar sobre o velejador é ímpar. Uma boa velejada limpa as teias de aranha, as aflições e as preocupações da vida diária. Nada como um pouco de água na cara e um bom lestinho, para um simples fim de semana parecer férias e para voltarmos para casa sem nem mesmo lembrar a agenda da 2ª feira. Por que será isso?
A velejada, apesar de em geral ter uma meta, seja uma regata, um treino, uma viagem ou mesmo um passeio até uma praia próxima, ela só ocupa parte da mente do velejador e apenas parte do tempo. Em regata existe mesmo uma função especifica, que concentra as preocupações com a meta, a do tático e a do navegador, no caso das travessias. Na maior parte do tempo, vela é processo. O processo de entrar em equilíbrio com as forças da natureza - o mar e o vento, de se adaptar a elas e de se manter adaptado as suas variações. A vela nos traz para o momento presente. Só o foco nele e nas variáveis que o compõe, com as quais temos que estar sempre em sintonia, permite que entremos nesse equilíbrio, que é a essência do velejar. A paciência, que muitas vezes surpreende os não iniciados, com a falta de vento ou com o tempo dos deslocamentos, muito mais longo do que o das possantes lanchas que sempre estão a cruzar o nosso caminho, é resultado desse foco no presente. O presente não tem duração. Nele está o verdadeiro prazer e não em algo que ainda ocorrerá, mas que no momento é só expectativa.
O velejador é um bicho esquisito! Muito diferente de outros tipos náuticos. A observação atenta do que está a sua volta e das suas sensações é fundamental. Apesar de todo o avanço técnico dos aparelhos eletrônicos, no monitoramento das variáveis que afetam o equilíbrio, o movimento e a localização do veleiro, a sensibilidade cinética do velejador é crítica para o seu desempenho. A capacidade de colher e processar as informações sensoriais de aceleração, equilíbrio do velame, inclinação do barco, movimento das ondas, tempo das manobras, são o que diferencia o velejador experiente dos outros, pois ele vem fazendo isso intuitivamente desde seu primeiro monotipo. O mesmo acontece com as observação das variáveis externas, como a forma das velas, as ondas, as rajadas de vento, a correnteza, a aparência da paisagem, quando se está próximo à costa ou mesmo dos fenômenos metereológicos. Isso faz do velejador experiente um observador profundo e analítico, tanto das suas sensações, quanto dos elementos do ambiente marítimo que o rodeiam. As suas ações não buscam o controle, que ele sabe impossível, mas o equilíbrio e a integração com esse meio ambiente.
Essa atitude influencia sobremaneira o seu comportamento quando ele esta no mar e muitas vezes se estende a sua vida em terra. Ela incentiva uma certa economia de palavras, a contemplação, os prazeres simples e diretos, a camaradagem e particularmente a aceitação de que não se está no controle, a confiança na sua capacidade de se adaptar e de preparar o seu equipamento para as eventualidades, a resignação aos tempos da natureza e por fim a entrega. A entrega a aquela parte da natureza e de todos nós que abriga a divindade.
No fundo velejar é uma forma de meditação e de oração. É o foco no momento presente que leva a integração. È um dar graças constante pelo mundo aquático maravilhoso que nos rodeia e pela vida que nos permite gozar as sensações que ele nos proporciona.
Atitude de velejador:
Tecnicamente, velejar é propiciar o deslocamento de duas asas, em equilíbrio dinâmico, na fronteira agitada de dois fluidos de densidade diferente e com fluxo variável e incerto. Sendo a regulagem dessas asas, para se adaptar ao fluxo, feita através da aplicação da força humana.
È surpreendente, porém, como esse conceito frio que define o esporte da vela, do ponto de vista da física, está longe da nossa experiência de velejar. Os tais fluidos são forças da natureza com profundo significado, tanto prático quanto simbólico, na nossa existência - a água e o ar. Dois terços do planeta é água e ela não é o nosso elemento (nela nos afogamos), pois somos seres da terra firme. O ar está por toda parte, inclusive em nossos pulmões. O mar, em principio, nos separa, mas, através de um enorme esforço adaptativo, nossa espécie desenvolveu formas de fazer com que esse elemento, que não é o nosso, nos una, através da navegação. O mar é a nossa primeira experiência assustadora de suspensão de limites (a outra, depois que conseguimos nos adaptar também ao ar, através do voo, é o ar e o espaço). Os seus movimentos, as ondas e os ventos, estão no nosso inconsciente coletivo, associados, tanto prazeirosa, quanto assustadoramente, aos episódios dessa grande aventura adaptativa da espécie humana. Tormentas, calmarias, travessias, avistamentos de terra são parte do nosso imaginário e das tradições náuticas de Camões a Amir Klink.
Além disso, do ponto de vista humano, o velejar vem muito antes pela experiência sensorial e pela imitação, do que pela ciência. Você começa por pegar um barquinho e, a partir de instruções simples, sentir como ele se comporta em diversas situações. Você associa sensações a ações corretivas. Você veleja com outros mais experientes e imita seus movimentos, compara resultados e associa novamente sensações a ações e resultados, em um continuo processo de realimentação. Só muito mais tarde, muitas vezes nunca, entram no processo os conceitos da mecânica dos fluidos, do equilíbrio dinâmico e do braço de alavanca.
Por outro lado, a tecnologia simples e direta usada para aplicar a força humana a regulagem das velas é muito cedo fonte de fascinação para o velejador, quase um fetichismo. Desde o primeiro barquinho a eficiência do funcionamento dos cabos, nós, manilhas, gatos, trilhos, roldanas, mordedores, dos sistemas multiplicadores de moitões, reduções, alavancas, catracas, engrenagens e seja lá o que mais, são sagrados para o velejador. As velas precisam ser trimadas com rapidez eficiência e de posições às vezes difíceis. As variações de lay out do equipamento de controle das velas denotam a personalidade do velejador e a diversidade da sua experiência. A tradição de auto-suficiência, herdadas desde tempos imemoriais, levam à simplicidade de soluções e ao culto a caixa de ferramentas. Aquele que na emergência não é capaz de solucionar, ele mesmo, os seus problemas é um velejador de segunda classe.
O efeito da experiência de velejar sobre o velejador é ímpar. Uma boa velejada limpa as teias de aranha, as aflições e as preocupações da vida diária. Nada como um pouco de água na cara e um bom lestinho, para um simples fim de semana parecer férias e para voltarmos para casa sem nem mesmo lembrar a agenda da 2ª feira. Por que será isso?
A velejada, apesar de em geral ter uma meta, seja uma regata, um treino, uma viagem ou mesmo um passeio até uma praia próxima, ela só ocupa parte da mente do velejador e apenas parte do tempo. Em regata existe mesmo uma função especifica, que concentra as preocupações com a meta, a do tático e a do navegador, no caso das travessias. Na maior parte do tempo, vela é processo. O processo de entrar em equilíbrio com as forças da natureza - o mar e o vento, de se adaptar a elas e de se manter adaptado as suas variações. A vela nos traz para o momento presente. Só o foco nele e nas variáveis que o compõe, com as quais temos que estar sempre em sintonia, permite que entremos nesse equilíbrio, que é a essência do velejar. A paciência, que muitas vezes surpreende os não iniciados, com a falta de vento ou com o tempo dos deslocamentos, muito mais longo do que o das possantes lanchas que sempre estão a cruzar o nosso caminho, é resultado desse foco no presente. O presente não tem duração. Nele está o verdadeiro prazer e não em algo que ainda ocorrerá, mas que no momento é só expectativa.
O velejador é um bicho esquisito! Muito diferente de outros tipos náuticos. A observação atenta do que está a sua volta e das suas sensações é fundamental. Apesar de todo o avanço técnico dos aparelhos eletrônicos, no monitoramento das variáveis que afetam o equilíbrio, o movimento e a localização do veleiro, a sensibilidade cinética do velejador é crítica para o seu desempenho. A capacidade de colher e processar as informações sensoriais de aceleração, equilíbrio do velame, inclinação do barco, movimento das ondas, tempo das manobras, são o que diferencia o velejador experiente dos outros, pois ele vem fazendo isso intuitivamente desde seu primeiro monotipo. O mesmo acontece com as observação das variáveis externas, como a forma das velas, as ondas, as rajadas de vento, a correnteza, a aparência da paisagem, quando se está próximo à costa ou mesmo dos fenômenos metereológicos. Isso faz do velejador experiente um observador profundo e analítico, tanto das suas sensações, quanto dos elementos do ambiente marítimo que o rodeiam. As suas ações não buscam o controle, que ele sabe impossível, mas o equilíbrio e a integração com esse meio ambiente.
Essa atitude influencia sobremaneira o seu comportamento quando ele esta no mar e muitas vezes se estende a sua vida em terra. Ela incentiva uma certa economia de palavras, a contemplação, os prazeres simples e diretos, a camaradagem e particularmente a aceitação de que não se está no controle, a confiança na sua capacidade de se adaptar e de preparar o seu equipamento para as eventualidades, a resignação aos tempos da natureza e por fim a entrega. A entrega a aquela parte da natureza e de todos nós que abriga a divindade.
No fundo velejar é uma forma de meditação e de oração. É o foco no momento presente que leva a integração. È um dar graças constante pelo mundo aquático maravilhoso que nos rodeia e pela vida que nos permite gozar as sensações que ele nos proporciona.
È por isso que dizem que Deus não cobra os anos que passamos velejando.